v. 34 n. 70 (2019)

EDITORIAL
A revista do primeiro quadrimestre de 2019, número 70, volume 34, tem um significado histórico, pois abre o ano em que a Escola Superior de Guerra (ESG) completará setenta anos, no próximo dia 20 de agosto e entrega ao leitor uma coletânea de oito artigos, focados nas temáticas de defesa, segurança e desenvolvimento: todos, portanto, abordam a Escola Superior de Guerra e sua vocação de estudar o Brasil para melhor servi-lo.
A Escola, desde sua fundação em 1949, foi pensada como um espaço de reflexão sobre o Brasil, congregando militares e civis de diferentes formações, homens e mulheres, tais como Carlos de Meira Mattos, Golbery do Couto e Silva e Therezinha de Castro, isso só para citar três exemplos de um plantel de pesquisadores e professores que deixaram sua contribuição acadêmica, por meio de reflexões percucientes sobre geopolítica, defesa e a segurança do Brasil no contexto do Sistema Internacional.
Seguindo a linha editorial da Revista da Escola Superior de Guerra, numa gratificante parceria entre autores, leitores e colaboradores, a equipe da Editora da Escola agradece a submissão dos artigos elencados abaixo, que, após a aprovação de experientes pareceristas e aprovação de nosso Conselho Editorial, são colocados à disposição da comunidade acadêmica e do público em geral.
O primeiro artigo, de autoria de Guilherme Sandoval Góes e Paulo Fagundes Visentini, tem o objetivo de examinar a evolução do pensamento geopolítico brasileiro à luz dos grandes geopolíticos da Escola Superior de Guerra, ao longo desses setenta anos de sua existência. Para tanto, pretende analisar três grandes eixos epistemológicos aglutinadores do pensamento da Escola Superior de Guerra: a Segurança, o Desenvolvimento e a Geopolítica, cuja conexão é identificada de forma científica. Em consequência, um dos grandes desafios do presente artigo é desvelar as bases teóricas de um possível projeto geopolítico autóctone do Estado brasileiro.
No artigo subsequente, Rodrigo Lentz comenta que, ao menos desde 1985, os militares brasileiros estavam afastados do protagonismo político, entretanto, nos dias atuais, passaram a participar ativamente do poder político nacional.
Pontua que, embora jamais deixassem de “fazer política”, o recente “regresso à proa” (grifos do autor) veio acompanhado de traumas políticos com o regime de 1964 e um profundo desconhecimento sobre o que, afinal, pensam os militares pós-1985. Nesse sentido, Lentz busca preencher uma lacuna de sistematização do pensamento político dos militares a partir do Manual Básico da Escola Superior de Guerra, que ele considera o principal documento político doutrinário das Forças Armadas.
Lentz comenta que, após uma breve revisão dos estudos pioneiros, é proposta uma categorização da chamada Doutrina de Segurança Nacional, segundo as versões do Manual Básico de 1975 (governo Geisel) e de 1983 (governo Figueiredo). Essa categorização define os núcleos normativo, político e instrumental do pensamento e como cada um deles aborda os grandes temas da ciência política.
Segundo o autor, seu estudo objetiva conferir maior clareza conceitual a uma tradição de pensamento político que possibilite análises comparativas sobre permanências e descontinuidades no atual pensamento e, assim, identificar os fundamentais desafios à democracia que o apresente.
No terceiro artigo, intitulado O Cruzeiro e a Corrente, Gilberto de Souza Vianna discorre sobre a Escola Superior de Guerra, lembrando que a Instituição nasceu como fruto da aproximação dos Estados Unidos (EUA) com o Brasil, durante a Primeira Guerra Mundial e consolidada na Segunda Grande Guerra, sendo considerada como “filha” (grifo do autor) do War College, mas que, no entanto, se tornou diferente da congênere americana.
Vianna comenta que a principal diferença entre as duas escolas está no fato de que a ESG, além de ser uma Escola de altos estudos, converteu-se em protagonista de uma rede de sociabilidade e confiança nacional, visando multiplicar, de forma objetiva, os conhecimentos produzidos na Instituição, chegando mesmo a ser uma máquina de hegemonia, pois, por meio da rede formada pela Escola Superior de Guerra e a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ESG-ADESG), divulgou os ensinamentos da Escola por todo território nacional.
No quarto artigo, Gilvan Charles Cerqueira de Araújo aborda a Geoestratégia como um dos ramos mais profícuos dos estudos geopolíticos, pois envolve, entre outras questões, áreas como a economia, etnografia, geomorfologia, sociologia e outras ciências correlatas à Geografia aplicada ao poder territorial.
Cerqueira apresenta algumas destas questões envolvendo a Geoestratégia no caso do território brasileiro, que, segundo o autor, passou por diferentes visões e propostas de domínio, controle e exploração, especialmente no período de vigência do Regime Militar, pós-período desenvolvimentista e espera, com a discussão proposta, apresentar uma colaboração para os estudos geoestratégicos, especialmente aqueles envolvendo o espaço geográfico brasileiro.
No artigo seguinte, intitulado “Escola Superior de Guerra (1973-1974): utopia, memória e presente”, Eduardo Rizzatti Salomão discorre sobre a tentativa frustrada de se transferir a ESG para Brasília na década de 70.
Salomão comenta que as ruínas das fundações da edificação que acolheria a Escola Superior de Guerra, na sua transferência do Rio de Janeiro para Brasília, repousam às margens do lago Paranoá.
Relembra que o projeto arquitetônico, adotado nos anos 1970, é de autoria do arquiteto Sergio Bernardes, e visava atender ao propósito de reintegrar a renomada instituição brasileira de estudos estratégicos de políticas de defesa ao centro do poder político nacional.
Pontua que, com essa intenção, a nova sede almejava inserir a ESG no ambiente acadêmico do Distrito Federal ao situá-la nas proximidades da Universidade de Brasília (UnB). Patrimônio abandonado às intempéries, o cimento moldado pela concepção de Bernardes sobreviveu por décadas para provocar reflexões, no momento presente, em que o Ministério da Defesa (MD) baixou como diretriz a instalação da sede principal da ESG em Brasília.
Neste artigo, Salomão apresenta os resultados da pesquisa sobre a memória e o passado de experiência dos acontecimentos que levaram à condenação do projeto de Bernardes. O problema que norteou o estudo é a tentativa de compreensão das razões que conduziram ao cancelamento das obras, inserindo, nessa discussão, as reflexões sobre o lugar que as ruínas ocupam na história e na memória nacional.
No sexto artigo, intitulado “Escola Superior de Guerra: os caminhos da pós-graduação” Jacintho Maia Neto, informa que a ESG desenvolveu, ao longo de seus 70 anos, uma relação intrínseca com a ambiência da pós-graduação.
Neto destaca que seu trabalho buscou apresentar e analisar como essa relação foi construída desde a sua criação em 1949, com base na análise documental e bibliográfica, com ênfase nos onze regulamentos que balizaram a estrutura organizacional da Escola.
Ratifica que, com esse intuito, caminhou-se ao longo desse marco legal, extraindo as ideias e as ações norteadoras à construção dos diversos cursos, suas relações com a estrutura e o ambiente organizacional, buscando entender, também, os impactos que o ambiente externo provocava na Escola e suas reações com base na materialização de estruturas e cursos.
Finaliza apresentando o caminho pelo qual a ESG decidiu conduzir seus cursos na direção da pós-graduação.
No penúltimo artigo desta Revista, Ronaldo Gomes Carmona, entrega-nos seu trabalho intitulado: Pensamento geopolítico brasileiro: trajetória, grandes temas e desafios contemporâneos - Reflexões por ocasião dos 70 anos da Escola Superior de Guerra, no qual se propõe a analisar a trajetória do pensamento geopolítico brasileiro, seus grandes temas e autores, visando à reflexão sobre uma agenda de pesquisa tendo em vista sua atualização.
Para isso, Carmona percorre, em seu texto, as bases de formação do território, do Estado nacional e da nacionalidade e apresenta um conjunto de ideias que permitiram grandes transformações no Brasil ao longo do século XX. Nesse contexto, examina a trajetória da ESG no que diz respeito à geopolítica brasileira e avalia os impasses relativos à renovação do projeto nacional após sua crise e óbices que se defronta para o desenvolvimento do projeto de Brasil - potência.
Encerra, apresentando reflexões sobre uma agenda de pesquisa contemporânea para a geopolítica brasileira, que, segundo o autor, precisa avançar no sentido de formulação renovada que prepare o Brasil para a retomada de seu projeto de tornar-se uma grande potência a partir da próxima década deste século XXI.12
O último artigo, de autoria de Pedro Paulo Levi Mateus Canazio, intitulado A Escola Superior de Guerra como o mais importante centro de estudos estratégicos do Brasil: uma visão de futuro, aborda a questão da revitalização da Escola Superior de Guerra (ESG) e de sua utilização efetiva pelo Estado Brasileiro como orientadora da aplicação do Poder Nacional no futuro de curto, médio e longo prazos, voltado para o fortalecimento da Nação com o fim específico de converter seu poder potencial em poder efetivo.
Canazio acentua que o objetivo final de seu trabalho consiste em apresentar um conjunto de propostas para a atuação da ESG no futuro, de modo a que ela possa voltar e ter um papel predominante na orientação da aplicação do Poder Nacional e a assumir novos papéis necessários para subsidiar a atuação do Governo Federal na condução do Estado Brasileiro, na direção do atingimento e da consolidação do status do País como potência central no concerto das nações.
Prezados leitores, esperamos que os artigos dessa revista possam representar uma amostragem dos grandes temas nacionais que são tratados no ambiente da ESG, com a colaboração de pesquisadores militares e civis, de diferentes formações e instituições acadêmicas, interessados na área do conhecimento Defesa e que vêm sendo tratados nesta Escola, desde sua criação em 20 de agosto de 1949.
Boa leitura e que venham os próximos 70 anos.
Amauri Pereira Leite